domingo, 6 de setembro de 2009

Amor de São Francisco,será?

Como começar meu primeiro texto? Bem, acho que da melhor forma possível, que é apresentando o objetivo desse blog. Mas pensando bem qual seria? Acho que seria apenas externar o sofrimento de dois caras que ainda sonham com o amor de São Francisco. Ah, vocês nunca ouviram falar? Resumidamente seria um amor incondicional, um amor que chega à própria renúncia de si para a felicidade do outro, que repousa no seio da paixão com conforto e segurança. É meus caros leitores, ele ainda existe? Considerando, ainda por cima, o nosso mundo gay que vive da superficialidade? Eu sempre penso que quem se nutre desse sentimento não tem alma, muito menos coração, estarei errado? Todas essas perguntas e outras serão respondidas ao longo dos nossos desabafos (pretensão nossa querer que nossos textos tenham alguma qualidade literária), mas de qualquer forma, nosso objetivo é o compartilhamento de nossas idéias, angústias e medos, que todos os gays sentem.

A princípio, eu resolvi não falar sobre o mundo gay, mas sobre o mundo em que nos colhe. Lembro-me que, quando menino, meus assombros eram: qual era a verdade de cada pessoa, daquelas que me rodeavam numa casa geralmente alegre? É... eu descobrira que nem sempre diziam o que pensavam: e os outros? Perplexidades adultas: por que nós perdemos tanto tempo? Por que tantos encontros de amigos, amorosos e mesmo profissionais, começam com entusiasmo e de repente - ou lenta e insidiosamente - transformam-se em objetos de indiferença, irritação ou até mesmo crueldade? Ninguém se casa, tem filhos, assume um trabalho querendo que saia tudo errado, querendo falhar ou ser massacrado. Quantas vezes, porém, depois de algum tempo, trilhamos uma estrada de desencanto e rancor?

No mais trivial comentário, por que no lugar de prestar atenção ao outro, a gente prefere rotular, discriminando, marcando a ferro e fogo o flanco alheio com um rótulo invisível e ao mesmo tempo evidente? “Burro”, “arrogante”, ”falso”, “feio”, ”gordo”, ”preguiçoso”, ”mentiroso”, “omisso”, “desleal”, “vulgar”. Muitas vezes humilhamos logo de saída, demonstramos nossos preconceitos sem nos envergonharmos deles, pois nem nos damos conta. Parece que não convivemos com pessoas, convivemos com imagens construídas pela nossa falta de generosidade.

Pergunto a um amigo pelo seu namorado e ele me responde: ”Aquele? Cada vez mais gordo!” Mas talvez eu quisesse saber se ele estava empregado, se estava contente, se o fazia feliz. E a nossa amiga em comum? E ele me responde: ”Ah, essa? Irreconhecível, deve ter feito a milésima plástica na cara, mas os peitos estão um horror de caídos!” Não me disse se a pessoa de que falávamos se recuperava de uma perda, se estava deprimida, se recuperava-se de um trauma, se parecia serena ou aflita. Parece que invariavelmente acordamos com raiva de tudo e de todos. ”Sujeito metido e besta”, “professor ultrapassado”, ”aluno medíocre”, “cantor desafinado”, “empresário falido”.

Não vemos pessoas ao nosso redor, vemos rótulos. Difícil assim sentir-se acompanhado; difícil amar e ser estimado. Vivemos como se estivéssemos isolados, com o olhar rápido e superficial, o julgamento à mão armada: “um idiota”, “uma dondoca”, “um fracassado”, “uma bicha feminina”, “um viado safado”. Quem era, como se chamava, que idade tinha, se teve filhos, amigos, sucessos, fracassos, de que morreu, como viveu? É esse tipo de coisa que eu quero saber quando leio notícias do tipo: “Aposentado morre de infarto no meio da rua”, “Idosa atropelada na avenida" , “Mulher assaltada no caixa eletrônico”. Não admira que a gente sinta medo, solidão, raiva, nem sabemos do quê ou de quem. Atacamos antes que nos ataquem, o outro é sempre uma ameaça, não uma possibilidade de afeto ou alegria. Será todo homem uma ilha?

(Johnnie)


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